ATIVIDADE

Palestra: Sérgio Buarque de Holanda

Realizada em 14 de maio de 2008

Resenha: A terceira palestra do Ciclo ASBRAP deste semestre, proferida por Thiago Nicodemo, teve um enfoque teórico ao abordar a obra de um dos maiores historiadores brasileiros – Sérgio Buarque de Holanda – sob o ponto de vista do ambiente historiográfico internacional. A palestra foi guiada por uma frase do caderno de notas de Goethe: “Escrever História é um modo de livrar-se (ou emancipar-se) do passado”. Tal frase pressupõe que o passado não é algo distante, mas que faz parte (está impregnado) no presente do historiador. O palestrante relacionou-a ao Fausto II, do autor, que versa justamente sobre o processo de modernização, que a geração do poeta presencia a partir da Revolução Industrial, como uma forma de eliminar os resquícios de um passado indesejável e que, ao final da peça, gera uma melancolia no Dr. Fausto por saber que tal passado eliminado era o dele próprio. A frase do poeta alemão foi tomada um século mais tarde por três historiadores de três localidades diferentes: Meinecke, Croce e Marc Bloch. O primeiro tenta mostrar que Goethe foi importante ao apontar que o passado faz parte do presente, e a história pode auxiliar-nos a nos livrar-nos desse passado. Croce já mostra como que o historismo deve ser revisto, e recupera a mote goethiano para orientá-lo para uma filosofia da história que considera a historicidade da historiografia: assim como a poesia deveria ser entendida segundo seus critérios próprios, a história não deve ser analisado pelo que lhe é externo, mas na sua historicidade, isto é, os problemas que lhe são contemporâneos. Assim, vê o passado também como presente e a história como o método para nos libertar da própria história. Marc Bloch, por fim, considera justamente aqueles rastros do passado que permanecem no presente como a condição própria da história: é porque rastros de tempos antigos permanecem nos tempos atuais é que podemos reconstituir qualquer história, citando como exemplo a transição da paisagem de um viajante que sai de Paris rumo ao meio rural francês, que teria como acessar uma paisagem ainda medieval por sua permanência. Isto significa que a história é um olhar do presente para o passado e ao mesmo tempo um olhar do presente para o futuro, mesmo que idealizado. Esses três historiadores (junto com Walter Benjamin e Ernst Bloch) têm uma preocupação semelhante: o papel da história na ascensão dos totalitarismos europeus, sobretudo o nazismo e o fascismo. Assim, se voltam contra uma história que prima a legitimação do governo e o controlada pelo cívico. Combatem assim uma história de cunho positivista que se furta a pensar os problemas do presente e se refugia num passado pseudo-objetivo e numa neutralidade indesejável diante do contexto político. Assim, tais reflexões contribuíam para uma inflexão de vanguarda na história, que não se generalizou de pronto: primado do papel do historiador, pensando-o como intelectual que é parte do projeto da modernidade (ao se profissionalizar no século XIX, com subsídios governamentais); a inclusão do paradigma da modernidade na história, pensando uma “história à contrapelo” alternativa àquela legitimadora dos governos e das classes dominantes. Após essa profunda contextualização, a segunda parte da palestra é voltada a mostrar como Sérgio Buarque está antenado com essas questões de seu tempo e, a partir de uma leitura e diálogo com tais autores, pensa problemas análogos para o Brasil. Não por acaso, cita o aforismo de Goethe ao tratar de Marc Bloch em um artigo. Portanto, está presente na obra de Sérgio Buarque a problemática de como interromper processos indesejáveis para a modernização brasileira, elementos de um passado que permanece no presente e atravanca o desenvolvimento de uma sociedade democrática e igualitária. Um exemplo é a clássica análise do “Homem Cordial”, uma categoria criada para dar conta da hipertrofia do mundo privado sobre o público, ou seja, da tendência de se relacionar com a esfera pública como se ela fosse uma dimensão da casa (o que perdura em nosso meio político até hoje...). Assim, fazendo uma história voltada para a modernização brasileira, sua postura vai se tornado cada vez mais agressiva no sentido de uma militância de historiador, voltado para uma intervenção no presente a partir não de uma taumaturgia (invocação) mas de um exorcismo do passado (como é tentado em Visão do Paraíso). Isso se dá pelo entrecruzamento na sua análise da técnica acadêmica (análise crítica de documentos, utilização de procedimentos da crítica literária, abordagem sociológica, análise da vida material, etc.) com a militância modernizadora. A categoria que expressa, para Thiago, essa junção é o conceito de FORMAÇÃO que, por sinal, está presente em análises como a de Caio Prado Júnior e Antônio Cândido. A formação, para essa geração, permite articular a partir do presente e das questões incômodas uma análise do passado com uma perspectiva de futuro. Após o debate, com perguntas sobre o trabalho de historiador do Sérgio Buarque e sua abordagem da genealogia, a palestra foi encerrada, e todos se dirigiram ao Othon, para mais um delicioso jantar.

publicado em 14-05-2008
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